terça-feira, 29 de março de 2011

Marco Antônio


Pertencente a uma família de origem patrícia (gens "Antonia''), Marco Antônio nasceu em Roma. Seu pai,  Marco Antônio Crético, era filho do orador Marco Antônio Orator, assassinado pelos partidários de Caio Mário, em 87 a.C. Por parte de sua mãe, Júlia Cesaris (conhecida como Júlia Antônia), seria primo de Júlio César.
Tendo enviuvado ainda jovem, sua mãe -  que tinha três filhos: Marco, Lúcio e Caio - voltou a casar-se, dessa vez com Públio Cornélio Léntulo Sura, um político que viria a ser acusado de envolvimento na "Conjuração de Catilina", e que por isso foi executado por ordem de Cícero (razão da inimizade que se estabeleceu entre Marco Antônio e o célebre orador).

Juventude desregrada 
A juventude de Marco Antônio se caracterizou, segundo Plutarco, pela falta de uma adequada orientação paterna. Ele e seus irmãos juntaram-se a um jovem e excêntrico político chamado Clódio (que militava entre os Populares), passando os dias nas tavernas, visitando bordéis, vadiando nas saunas e nos antros de jogatina, envolvendo-se em escândalos amorosos e, sobretudo, bebendo <1>. Em conseqüência, antes de completar vinte anos, já estava endividado, devendo cerca de 250 talentos (6 milhões de sestércios). Em 58 a.C., ele partiu para a Grécia, em parte para escapar de seus credores <2>.
Em Atenas, Marco Antônio freqüentou as aulas dos mais afamados professores de Retórica, especializando-se no elegante e floreado "estilo asiático". Além disso, participava de exercícios militares das tropas romanas estacionadas na região. Foi então que, em 57 a.C., o procônsul, Aulo Gabínio, a caminho da Síria,  impressionado com sua habilidade equestre, convidou-o a participar de uma campanha na Judeia, como comandante de sua cavalaria.

Campanha da Judeia.
Em 63 a.C., Pompeu interviera na Judeia, apoiando Hircano II, em detrimento de seu irmão, Aristóbulo II. Mas em 59 a.C., Alexandre, filho de Aristóbulo, derrotou Hircano, proclamando-se rei e Sumo Sacerdote de Israel. A missão de Galbino era derrubar Alexandre. 
Em seu primeiro combate real, Marco Antônio demonstrou a coragem de um veterano, sendo um dos primeiros a transpor as muralhas da fortaleza onde Alexandre concentrara suas forças. A fortaleza foi tomada e o jovem Antônio foi alvo de muitos elogios dos militares.
A luta recomeçou quando Aristóbulo (que fora levado para Roma, por Pompeu) voltou à Judeia e reagrupou o exército de seu filho. Colocado por Galbino no comando de algumas legiões, Marco Antônio voltou a dar mostras de bravura e liderança, contribuindo, decisivamente, para a vitória das forças romanas.

Campanha do Egito
Dos três grandes Estados sucessores do império de Alexandre, o Egito era o único que, à essa época, mantinha-se independente diante do imperialismo romano. Ao assumir o trono, em 80 a.C., o rei Ptolomeu XII entendeu que a melhor maneira de preservar essa independência seria cultivar as boas graças de Roma. Com esse propósito, ele viajou, no ano seguinte, para a Itália, objetivando conseguir que o Senado reconhecesse o reino do Egito como "aliado e amigo do povo romano". Bajulando os senadores influentes, distribuindo presentes e propinas aos figurões da política romana, o rei afinal alcançou seu objetivo <3>.
Todavia, Ptolomeu não foi bem recebido, em sua volta ao Egito, onde já se espalhara a notícia de sua postura servil diante dos romanos. E quando a ilha de Chipre — última possessão marítima egípcia — caiu em poder de Roma, sem que ele esboçasse nenhum protesto <4>, a população de Alexandria se revoltou e expulsou o rei, colocando no trono sua filha, Berenice.
Após tentar, sem êxito, que o Senado romano aprovasse o envio de tropas para restaurá-lo no trono <5>, Ptolomeu apelou a Galbínio, que aceitou ajudá-lo, em troca de grande quantidade de ouro. No outono de 56 a.C., a campanha começou. Após dificílima travessia do vasto deserto do Sinai, as forças romanas chegaram à fronteira do Egito, deparando-se com a fortaleza de Pelúsio. O ataque à fortaleza foi comandado por Marco Antônio, que tomou a cidadela num assalto fulminante < 6>. Após derrotar as forças egípcias que encontrou pelo caminho, o exército romano entrou em Alexandria. Recolocado no trono, Ptolomeu vingou-se de seus adversários, mandando executar, inclusive, sua própria filha, Berenice <7>.
Foi durante o tempo de sua permanência em Alexandria, que Antônio conheceu a irmã de Berenice, Cleópatra, então com 14 anos. Em seguida, após breve estada em Roma, ele partiu para a Gália, onde o esperava um posto no exército de Júlio César.
 
Alésia
Não há informações sobre os primeiros anos de serviço de Marco Antônio no exército de César, na Gália, até porque o que se sabe sobre aquela guerra provem do livro "De Bello Gallico", escrito pelo próprio César que, se pouco crédito dá aos oficiais veteranos daquela campanha, menos ainda se ocupa dos que, como Antônio, eram novatos. Sabe-se que, em 54 a.C., ocorreu a segunda expedição à Bretanha, da qual participaram cinco legiões e uma cavalaria de 2 mil homens. Possivelmente, Marco Antônio há de ter participado da expedição, como oficial equestre.
Confirmada mesmo foi sua importante participação no cerco de Alésia, o último capítulo da conquista romana da Gália. Durante quatro dias, o exército de César lutou em duas frentes, com Marco Antônio comandando várias legiões. No segundo ataque gaulês, realizado durante a noite, os homens de Antônio quase cederam, sendo salvos pela chegada de reforços. No dia seguinte, o chefe gaulês, Vercingetorix, à frente de 60 mil guerreiros, lançou seu derradeiro e desesperado ataque. Durante a luta, César e Antônio podiam ser vistos cavalgando de um lado para o outro das linhas romanas, incentivando os legionários e providenciando reforços. Quando a batalha terminou, Vercingetorix deixou Alésia, montado em seu cavalo branco, e depôs suas armas aos pés de César, enquanto Marco Antônio recebia todas as honras militares por sua destacada conduta na luta.
À essa altura, ele ascendera à invejável condição de principal general de César, tanto que lhe coube assumir o comando do corpo principal do exército, enquanto César rematava sua conquista, eliminando os últimos focos de resistência gaulesa. Assim, no final de 51 a.C., Marco Antônio tornara-se famoso, rico (graças aos despojos da guerra gaulesa) e homem de confiança de César. Estava pronto para enveredar pelas estradas da política, rumo ao poder.
 
Desfaz-se o Primeiro Triunvirato
Em 53 a.C., decidido a fazer de Antônio seu principal representante político <8>, César mandara-o a Roma, com recursos e recomendações suficientes para concorrer ao cargo de Questor, nas eleições daquele ano. As mortes de Júlia (filha de César e esposa de Pompeu) e do triúnviro Crasso (que empreendera uma fatídica campanha contra os Partos), haviam fragilizado o triunvirato, aguçando a disputa pelo poder entre César e Pompeu, cujos respectivos partidários se engalfinhavam nas ruas.
Uma vez em Roma, Marco Antônio envolveu-se em um conflito no Fórum, ocasião em que teria tentado apunhalar seu velho amigo, Clódio <9>. Os distúrbios nas ruas tornaram-se tão agudos, que provocaram o adiamento das eleições, por um ano. Quando elas, afinal, se realizaram, Antônio ganhou facilmente a questura, em uma campanha permeada de subornos e baixarias.
De volta a Roma, em 50 a.C., elegeu-se Tribuno da Plebe, cargo que utilizou para proteger os interesses de César, ameaçados pela facção conservadora do Senado, que se apoiava em Pompeu. A questão central residia no desejo de César de concorrer ao consulado "in absentia", para não perder seu poder proconsular na Gália, o que feria a legislação vigente <10>.
Agindo em nome de César, Antônio tentou negociar várias fórmulas de conciliação, mas os conservadores não cederam, gerando um impasse político que selou o fim do triunvirato. Afinal, quando o Senado decretou a Lei marcial (7 de janeiro de 49 a.C.), outorgando poderes ditatoriais a Pompeu e exigindo que César entregasse seu comando na Gália, Marco Antônio, temendo ser assassinado, deixou Roma disfarçado de escravo e juntou-se ao exército de César, estacionado na Gália Cisalpina.
- "A sorte está lançada" — teria dito César, cruzando o Rio Rubicão e ingressando na Itália, violando a lei da traição, que proibia um governador de levar tropas para fora de sua província, sem autorização do Senado <11>. Começava a guerra civil. Na Batalha de Farsalos (agosto de 48 a.C.), travada em solo grego, na qual César derrotou seu rival, Antônio teria sido o responsável pelo vigoroso ataque que rompeu as linhas do exército pompeísta, levando-o à derrota. Depois, ele foi mandado de volta à Itália, para governá-la, enquanto César ia atrás de Pompeu, que fugira em um navio, buscando refúgio no Egito.
 
A ditadura de César morre no Senado

Quando César chegou em Alexandria, recebeu o anel e a cabeça de Pompeu, decepada por ordem daqueles que (efetivamente) governavam o país, em nome do rei-menino, Ptolomeu XIII <12>. Decidido a estorquir daquele reino próspero, uma elevada soma para atender às despesas de sua campanha <13>, ele instalou-se no palácio real, pretextando servir de árbitro na disputa entre o jovem rei e sua irmã, Cleópatra, também pretendente ao trono.
Mas o modo arrogante e senhoril com que se apresentou diante dos alexandrinos, provocou a revolta da população, levando-a a cercar e atacar o palácio. Na luta travada em Alexandria" <14>, César foi salvo pela providencial chegada de reforços. Partindo para a ofensiva, ele esmagou as forças egípcias - na Batalha do Nilo (47 a.C.), o rei Ptolomeu foi morto. -  e entronizou no trono a princesa Cleópatra, com quem estabeleceu laços pessoais e políticos.
Enquanto César permanecia em Alexandria, Marco Antônio governava a Itália, desastradamente. O que ele tinha de bom general, tinha também de péssimo administrador. Descuidando de seus deveres, entregou-se aos velhos hábitos da juventude: bebida, orgias e dilapidação de dinheiro, contraindo enormes dívidas para comprar presentes suntuosos às suas amantes e oferecer exorbitantes banquetes.Quando César retornou à Roma e implantou sua ditadura, as orgias de Antônio cessaram e ele se viu obrigado a saldar, uma a uma, as dívidas que contraíra. As relações entre os dois homens ficaram estremecidas por algum tempo, mas depois se normalizaram.
Em 15 de março de 44 a.C., Júlio César foi assassinado por um grupo de senadores, liderados por Caio Cássio Longino e Marco Júnio Bruto. A princípio, os assassinos dominaram a cena política, apresentando-se como salvadores da República, ameaçada pela ditadura de César, porém um discurso apaixonado de Marco Antonio, exibindo as vestes ensangüentadas do ditador, em seu funeral, virou a opinião pública contra eles, obrigando-os a fugir.
O projeto de Antônio de se tornar herdeiro do poder de César ficou comprometido com a chegada do jovem Caio Otávio, filho adotivo do ditador, que logo recebeu o apoio dos senadores, que não confiavam em Antônio. Do alto de sua eloqüência, Cícero proferia discursos inflamados contra Marco Antônio <15>, acusando-o de perfídia e devassidão.
A disputa entre Antônio e Otávio pelo espólio político de César, desaguou em um confronto militar. Na Batalha de Mutina (atual Módena), na Gália Cisalpina, em abril de 43 a.C., Antônio foi derrotado e teve que fugir pelos Alpes. Foi na Gália Transalpina que ele encontrou e recebeu apoio de vários comandantes militares, entre eles, Lépido, homem de confiança de César. Enquanto isso, Otávio se desentendia com o Senado, que lhe negara o consulado, por não ter ainda a idade legal. Isso aproximou os rivais que, juntamente com Lépido, reuniram-se em Bonônia (atual Bolonha), onde firmaram as bases de um acordo de partilha do poder, conhecido como Segundo triunvirato.
 
Segundo triunvirato
Ao contrário do primeiro, o Segundo Triunvirato (previsto para durar cinco anos) foi oficializado pelo Senado, através da Lei Títia, que dividiu as províncias romanas entre os triúnviros. A primeira providência dos triúnviros foi elaborar listas de proscrições de seus inimigos. Cerca de 300 senadores e 2000 cavaleiros foram caçados até a morte. Entre as vítimas ilustres, estava Cícero, inimigo de Antônio.
Após o holocausto de seus inimigos, os triúnviros voltaram sua atenção para Bruto e Cássio, que haviam reunido um grande exército na Macedônia e conquistado o apoio da frota de Pompeu, o jovem (filho de Pompeu). No verão de 42 a.C., travou-se a Batalha de Filipos. Bruto derrotou o exército de Otávio, no norte, mas no setor sul, Marco Antônio esmagou as forças de Cássio, que se matou. Alguns dias depois, Antônio e Otávio juntaram-se e derrotaram Bruto, que também recorreu ao suicídio.Enquanto Otávio retornava à Itália, Marco Antônio permaneceu no Oriente, a fim de levantar recursos para os triúnviros.
Mas ele não tardou a mergulhar numa vida de prazeres, sendo cortejado em todas as cidades por onde passava, onde lhe ofereciam suntuosos banquetes e o saudavam como "encarnação de Dionísio" — o Baco latino, deus do vinho.Foi na Ásia Menor que ele reencontrou a rainha do Egito, Cleópatra, a quem convocou ao seu acampamento em Tarso, para prestar esclarecimentos sobre sua suposta ajuda a Bruto e Cássio. Esse encontro haveria de ser decisivo para os rumos do Segundo Triunvirato.
 
Antônio e Cleópatra
Marco Antônio casara-se várias vezes. Na juventude, com Fadia, de quem se sabe apenas que era rica e lhe deu filhos. Depois, com Antônia, de quem se divorciou por suspeita de adultério. Após uma longa ligação com a atriz, Cítera (com quem não se casou), desposou Fúlvia, de quem se tornara amante quando ela ainda era casada com Clódio (assassinado em 52 a.C.). Ele já estava casado com Fúlvia, quando Cleópatra veio ao seu encontro, em Tarso.
Rica e encantadora, inteligente e divertida, arrogante e carinhosa, Cleópatra foi ao encontro de Antônio, em Tarso, a bordo de seu magnífico navio real, luxuosamente preparado para recepcionar o triúnviro. A recepção durou quatro dias. Seduzido pelos encantos da rainha, Antonio decidiu passar o inverno de 41 a.C. a 40 a.C. no Egito, em sua companhia. Nos meses seguintes, em Alexandria, ele levaria uma vida de fausto e prazeres.
Ao final desse tempo, os negócios públicos reclamaram sua atenção. No Oriente, os partos estavam atacando territórios romanos e, em Roma, sua esposa, Fúlvia, e seu irmão, Lúcio, estavam em rebelião aberta contra Otávio. Na primavera de 40 a.C., Marco Antônio retornou à Itália, deixando Cleópatra grávida de gêmeos. Não a veria pelos próximos três anos.
Quando Antônio chegou a Roma, Otávio já esmagara os rebeldes, na Batalha de Perúsia, onde Fúlvia morrera durante os combates. Por muito pouco não estourou a guerra civil entre os triúnviros. Mas eles acabaram chegando a um acordo, firmando o Tratado de Brundisium, que confirmava a divisão do império entre os dois e reduzia a parte de Lépido, atribuindo-lhe apenas o governo de uma pequena província na África. Para selar o acordo, Antônio casou-se com Otávia, irmã de Otávio.
Assegurada a paz interna, as atenções voltaram-se para a Pártia. Decidiu-se que Antônio comandaria uma campanha contra o reino rival. Todavia, de 39 a.C. a 37 a.C., o exército de Antônio lutou contra os partas sem a presença de seu comandante, que se detivera na Grécia, entregando-se a intermináveis orgias, que somente se interromperam devido à revolta de Sexto Pompeu (filho de Pompeu Magno). Retornando à Itália, encontrou a opinião pública voltada contra ele, em parte devido ao seu comportamento devasso e irresponsável, e em parte devido às intrigas de Otávio.
Outra vez, houve risco de rompimento entre os triúnviros . Afinal, graças à mediação de Otávia, chegou-se a um novo acordo, com a assinatura do Tratado de Tarento, que renovou o triunvirato por mais cinco anos. Antônio haveria de partir para o Oriente, onde receberia tropas enviadas por Otávio,para combater os Partas.Mas António estava cético sobre o apoio de Otávio, de modo que, deixando Otávia em Roma, grávida de sua segunda filha (Antonia Minor), viajou para Alexandria, onde reencontrou Cleópatra, que lhe forneceu os meios para levantar um exército destinado à campanha na Pártia. Em troca, ele entregou à raínha possessões romanas no Oriente — a Fenícia e o norte da Judéia — e prometeu casar-se com ela, para legitimar os gêmeos que ela tivera dele: Alexandre Hélio e Cleópatra Selene.
 
Derrota
Em 36 a.C., com vastas reservas monetárias e cerca de 100 mil homens em armas, Marco Antônio afinal deu início à campanha da Pártia. Ao longo de três anos, seu legado, Ventídio, havia ganho várias batalhas (não conclusivas) contra os partos. Agora, o triúnviro estava ali, pretendendo esmagar de uma vez por todas a arrogância desse povo que ousava se opor ao avanço do Império Romano.
Empreendendo uma marcha cansativa através da Ásia Menor, chegou à Armênia mas não permitiu que seus soldados descansassem, obrigando-os a continuar o avanço até Frata, uma das principais cidades do inimigo. Mas ao atacar a cidade, sofreu uma enorme derrota. O número de romanos mortos chegou a 10 mil. A notícia desse fracasso levou o rei da Armênia, Artavades II, que era aliado de Roma, a romper a alinça e proclamar-se neutro no conflito parto-romano.
Porém Antônio não perdera seu brilho militar. Simulando uma retirada geral, recuou durante um dia. Então, inesperadamente, deu meia volta e desfechou um ataque de surpresa contra os partas, que o estavam seguindo à distância. Foi a vez dos asiáticos recuarem, após sofrerem pesadas perdas.Com a guerra virtualmente empatada, o rei parto, Fraates IV, ofereceu a Antônio um acordo: as tropas romanas voltariam para a Armênia, sem serem molestadas pelos partas. Mas o general romano recusou. Desistir da campanha seria uma confissão de derrota.
Com a chegada do inverno, a situação dos romanos tornou-se crítica. A comida escasseava. A disciplina cedeu e os soldados lutavam entre si pelos poucos suprimentos que ainda restavam. Diante desse quadro, não restou a Antônio outra alternativa senão ordenar o retorno à Armênia. Foi uma retirada trágica. Acossados pelos arqueiros partas, os legionárias precisavam andar com os escudos sobre a cabeça para se protegerem das flechas. Muitos romanos tombaram no caminho, seja sob os dardos dos partas, seja comendo raízes venenosas ou bebendo água de poços insalubres. Quando finalmente chegaram à Armênia, os soldados se ajoelharam e beijaram a terra.
Para Antônio, a campanha se encerrava de um modo humilhante. Nos 27 dias de prova, havia travado 18 batalhas e perdido 24 mil homens. Outros 8 mil haveriam de morrer em tempestades de neve, antes de alcançarem o Mediterrâneo, onde Cleópatra os esperava com roupas e suprimentos. Em suma, Antônio perdera quase a metade de suas forças e nada ganhara. O desastre abalou sua fama de general invencível e enfraqueceu seu poder político em Roma.

Ocaso de um guerreiro 
Não fora apenas o fiasco na Pártia que manchara a reputação de Antônio. Os romanos também se indignaram com sua decisão de fixar residência permanente no Egito, ao lado de Cleópatra. Espalhou-se a notícia de que os dois havia se casado, provavelmente em Antióquia, em 36 a.C., e que ela lhe havia dado um terceiro filho, Ptolomeu Filadelfo, durante o retorno a Alexandria. Aos olhos dos cidadãos romanos, Marco Antônio abandonara sua esposa — uma mulher virtuosa, que cuidava de seus filhos e tomava conta de seus negócios — para viver ao lado de uma raínha estrangeira.
Otávio aproveitava-se da situação para aumentar sua própria influência, em detrimento de seu parceiro no Triunvirato. No Senado, ele denunciava um suposto plano de Antônio de separar as províncias orientais do Império, estabelecendo o Egito como o centro de um novo Estado independente de Roma. Além disso, Otávio grangeara prestígio. Sua frota, comandada por Agripa, esmagara os navios de Pompeu, o jovem, que atacava, sistematicamente, os navios mercantes romanos, no Mediterrâneo. À essa época, ele também expulsou Lépido do Triunvirato, deixando-lhe apenas o cargo de Sumo Sacerdote (pontifex maximus), que o ex-general de César exerceu até sua morte, em 13 a.C..
Em 34 a.C., Antônio perdeu uma excelente oportunidade para recuperar seu prestígio em Roma, ao colher uma vitória espetacular contra Artavasdes, o rei da Armênia que o havia abandonado durante a Campanha da Pártia. Mas em lugar de trazer o rei armênio prisioneiro para Roma e exibí-lo em desfile triunfal, preferiu comemorar sua vitória no Egito, ocasião em que teria promovido as célebres "Doações de Alexandria", entregando territórios romanos no Oriente para Cleópatra e os filhos do casal. À raínha, ele concedeu Chipre e Líbia; aos filhos coube a Armênia, Média, Síria, Cirene e Cilícia.
Quando a história das "Doações" chegou à Itália, os romanos se mostraram furiosos.A guerra civil tornou-se iminente e Antônio a precipitou quando, em 32 a.C., ao expirar-se o prazo do Triunvirato, ele não se mostrou interessado em renová-lo e, além disso, divorciou-se de Otávia (provavelmente por exigência de Cleópatra), quebrando o último elo que o ligava ao seu rival. Astucioso, Otávio acusou Cleópatra de estar se apropriando de províncias romana e obteve do Senado uma declaração de guerra ao Egito, sem menção a Antônio.
As operações militares conduziram à Batalha de Áccio (31 a.C.), na qual a frota romano-egípcia de Antônio e Cleópatra foi destruída pelos navios de Otávio, comandados por Agripa. Quando o combate já se inclinava em favor de Otávio, mas ainda estava indefinido, Cleópatra conduziu sua frota de volta ao Egito. Ao vê-la partir, Antônio correu atrás dela, seguindo-a até Alexandria, deixando seus homens morrerem sem seu general.

Túmulo egípcio
Chocados com a deserção de seu comandante, os soldados de Antônio renderam-se a Agripa. Em Alexandria — segundo Plutarco -, o casal entregou-se a banquetes e bebedeiras, tentando esconder o desespero face ao seu destino eminente, enquanto as forças de Otávio se aproximavam, inexoravelmente, do Egito.
Quando as últimas tropas ainda leais a Antônio desertaram, ele decidiu matar-se, de acordo com a tradição romana <16>. Mas há outra versão, segundo qual ele se matou ao ser informado do suposto suicídio de Cleópatra. Na verdade, a raínha aguardou a chegada de Otávio e teria tentado algum tipo de acordo com ele. Somente quando se convenceu de que seria levada prisioneira para Roma para participar do Triunfo do vencedor, foi que ela se fez matar, provavelmente, recorrendo a uma serpente venenosa.
O filho de Cleópatra com César, Cesarion, e o primogênito dela com Antônio, Alexandre Hélio, foram mortos por ordem de Otávio.


Notas
<1> Mary Kittrege. ''Marco Antônio'', pg. 34-35.
<2> Foi também uma forma dele se afastar de Clódio, sobretudo depois de um embaraçoso envolvimento com Fúlvia, esposa do político.
<3> Júlio César que, a princípio, se mostrara desfavorável ao rei, mudou de posição, após receber generosa gratificação financeira.
<4> Apesar do governador de Chipre ser irmão do rei e ter morrido durante o ataque romano.
<5> Os senadores alegaram que os proféticos Livros Sibilinos desaconselhavam conceder ajuda militar a um rei do Egito.
<6> No ataque a Pelúsio, Antônio contou com o apoio de judeus, que moravam às proximidades da fortaleza.
<7> Marco Antônio, ao contrário, portou-se com muita generosidade, conquistando a simpatia do povo de Alexandria, que haveria de lhe ser valiosa, anos depois.
<8> Embora distante de Roma, César continuava participando ativamente da política romana, através de seus amigos — como o tribuno Caio Cúrio — ou de políticos subornados — como o ex-cônsul, Lúcio Emílio. 
<9> Há dúvidas sobre as razões de Antônio, mas a mais aceita nada teria a ver com política: seria decorrente de seu envolvimento com Fúlvia, mulher de Clódio.
<10> Mas havia um precedente, pois o próprio Pompeu era governador in absentia da Hispania. 
<11> Lei criada à época da ditadura de Sila.
<12> Foram os conselheiros do rei, Aquila, Potino e Teódoto, que tomaram a decisão de assassinar Pompeu.
<13> Bruns, Roger Bruns, Júlio César, pg. 73.
<14> Na qual uma parte da famosa Biblioteca foi destruída.
<15> Discursos comparados às "Filípicas", de Demóstenes contra Felipe II da Macedônia.
<16> Tradicionalmente, generais e políticos romanos, quando vencidos em disputas extremas, optavam pelo "suicídio honroso".
 @ Alvaro Rodrigues (2011)

  
Bibliografia
§  PlutarcoVida de Antônio.
§  Kittrege, Mary. Marco Antônio. São Paulo. Ed. Nova Cultural, 1988
§  Bruns, Roger. Júlio César. São Paulo. Ed. Nova Cultural, 1988
§  Bowder, Diana. Quem foi quem na Roma Antiga. São Paulo, Art Editora/Círculo do Livro S/A,s/d

quarta-feira, 16 de fevereiro de 2011

Gladiador


A partir do estudo de 120 esqueletos de gladiadores, mortos em combate ou executados na arena, pesquisadores austríacos traçaram um retrato realista, baseado em evidências materiais, de como viviam e morriam os protagonistas de um espetáculo sangrento que, durante 700 anos, foi a principal diversão dos (civilizados) romanos: a luta de gladiadores.

O mais impressionante eram as formas de execução dos gladiadores derrotados. Aquele que tivesse ferimentos leves, esperava de joelhos pelo julgamento da platéia. Caso a decisão fosse pela execução, ele era morto com um golpe de espada na jugular. Se estivesse muito debilitado, era mantido de quatro na areia e recebia o golpe nas costas, na altura do ombro. A lâmina penetrava entre os ossos e chegava diretamente ao coração.

As ossadas, datadas dos séculos III e IV, foram achadas na antiga cidade de Éfeso (a mais movimentada da Ásia Menor,na época, com cerca de 200 mil habitantes) e tinham marcas de ferimentos feitos por espada, tridente e por uma arma pouco comum, chamada "quadridente cúbico", uma espécie de garfo grande com quatro dentes dispostos bem perto uns dos outros, que se imaginava fosse usada, apenas, em rituais religiosos.

A arena de Éfeso, adaptada sobre um teatro grego, podia acomodar 25 mil espectadores, a metade da lotação do Coliseu de Roma. Os arqueólogos encontraram junto às tumbas muitos desenhos e inscrições a respeito da vida dos gladiadores, que  permitiram identificar - por exemplo - um jovem de 21 anos, que treinava para ser gladiador desde os 17,  e foi morto na quinta vez em que se apresentou na arena. 

A análise das ossadas  permite concluir que os gladiadores eram muito bem tratados enquanto estavam em treinamento. E se acumulavam um número suficiente de vitórias, eram libertados e, não raro, transformavam-se em organizadores de lutas.

As regras do jogo eram rigorosas e sempre buscavam um equilíbrio de forças entre dois gladiadores (luta de um gladiador contra vários, só no cinema americano). As armas e as roupas de proteção seguiam um padrão fixo, para que um não levasse nenhuma vantagem em relação ao outro. O que encantava a platéia era a destreza demonstrada na arena.

Os gladiadores treinavam com intensidade e, a julgar por seus restos, tinham o preparo físico de um atleta moderno. Quando sobreviviam, os ferimentos eram muito bem tratados. Os especialistas que estudaram os esqueletos encontraram um osso de antebraço com uma fratura que tinha sido tão bem cuidada que mal aparecia a olho nu. Um resultado assim só é possível com pronta intervenção de um médico hábil, seguida de um bom tratamento fisioterápico.