quarta-feira, 8 de dezembro de 2010

Barrabás, ladrões e Ben-Hur


Os Evangelhos relatam que, na tentativa desesperada de salvar Jesus, em quem não via nenhuma culpa, Pilatos valeu-se de um costume judaico, vigente durante a Pessach (páscoa), de libertar um prisioneiro condenado à morte, oferecendo ao povo a escolha entre Jesus e Barrabás.

Em João, Barrabás é identificado como um "salteador"; em Marcos e Lucas ele foi condenado por ter matado alguém durante uma "sedição", e em Mateus diz-se apenas que ele era "um preso bem conhecido".

O problema é que em nenhuma literatura hebraica, inclusive no Talmud, é possível encontrar qualquer menção à prática de libertar um prisioneiro durante a Pessach. Não se conhece nenhum caso de alguém que tenha sido beneficiado por essa suposta tradição. Tudo leva a crer, portanto, que essa prática não existia.

Também não há qualquer fonte que nos diga que os romanos libertassem prisioneiros condenados, em respeito à tradição religiosa dos judeus ou de qualquer outro povo integrante do Império. E note-se que possuímos abundante literatura sobre o Direito Romano e seu "código processual".

Esse Direito era rígido: uma vez decretada a condenação do prisioneiro, somente o Imperador detinha o poder de anular ou comutar a sentença.

No caso de Jesus, nem lhe cabia "apelar para César" (como Paulo de Tarso o fez), porque ele não era cidadão romano.

Resumindo, nem na prática judicial romana, nem na hebraica, há qualquer referência à libertação de prisioneiros durante a Pessach ou qualquer outra data religiosa.

Considere-se também que, enquanto Jesus (variante mais "moderna" do antigo nome Josué) era um nome comum em sua época, não se tem referência a nenhum outro Barrabás (1) em toda a longa história de Israel.

Por conseguinte, o Barrabás dos Evangelhos é, muito provavelmente, um personagem fictício, cuja função nos relatos da "Paixão" é acentuar a responsabilidade (culpa) do povo judeu na morte de Jesus.

Mas admitamos, por um momento, que essa prática existia e que Barrabás foi beneficiado por ela.

Em todos os relatos da execução de Jesus, menciona-se que ele foi crucificado entre dois outros condenados, descritos sumariamente como "ladrões".
Ora, se os dois "ladrões" eram também condenados à morte, como Barrabás, porque Pilatos não os incluiu quando ofereceu ao povo a possibilidade de libertar um condenado? Se a prática existia, todos os sentenciados haveriam de poder ser beneficiados por ela.
Por que apenas Barrabás?

Aliás, sobre esses dois "ladrões", há que se dizer que não era costume de Roma condenar à morte esse tipo de criminoso. Seu destino era a escravidão, com trabalhos forçados nas minas ou como remadores nas galeras romanas (os "galés"), onde a vida era dura e curta.

A crucificação, salvo eventuais exceções, era aplicada somente a escravos e a não-romanos que atentassem contra a ordem política do Império.

Encontramos também esse "erro histórico" em romances como "Ben Hur", escrito por Lewis Wallace (2).

No romance, o judeu helenizado, Judah ben-Hur, é acusado (injustamente) de tentar assassinar o "praefectus" Valério Graco, que chega a Jerusalém para assumir seu posto (3).

Embora membro da elite aristocrática judaica, Judah não era cidadão romano, só adquirindo essa condição quando se torna filho-adotivo do cônsul Quintus Arrius, a quem salvara a vida no combate naval contra os piratas.

Condenado por esse tipo de crime, ben-Hur haveria de ser executado, e não transformado em "galé", como se lê no romance.

(1) "Barrabás" é uma construção semântica, onde "bar" = filho de ; e "abas" = pai. Ou seja: "filho do pai".
(2) O general-governador do Novo México que negou indulto a William (Billy-the-kid) Bonney.
(3) Outro erro: a capital da província romana da Judéia não era Jerusalém, mas Cesaréia, onde residia o governador.
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Alvaro Rodrigues (junho/2007)


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