quarta-feira, 8 de dezembro de 2010

Brizola



Filho do trabalhismo getulista, Leonel Brizola jamais deixou de enaltecer Getúlio Vargas, lembrando os projetos e realizações nacionalistas de seu governo constitucional, e preferindo esquecer o ditador do Estado Novo, que flertava com o fascismo italiano.

Nos tempos de João Goulart, era tido (não sem razão) como "incendiário" e provável sucessor do presidente cuja posse garantira ao sublevar o Rio Grande contra a tentativa de golpe dos militares. Quando voltou do exílio, no estertor da ditadura militar (1979), havia "baixado o fogo", mas continuou sendo o que sempre foi: um político polêmico e, não raro, desconcertante.

Natural de Cruzinha ( Rio Grande do Sul), conquistou o amor apaixonado do Rio de Janeiro, mas não conseguiu se fazer querido em outros estados: os paulistas sempre o rejeitaram.

Candidato ao governo do Rio, quase teve sua eleição "garfada". Nunca se esclareceu, convenientemente, o episódio Pro-Consult, no qual, segundo ele, a Rede Globo teria se envolvido até o pescoço.

Os militares e a Globo (farinha do mesmo saco) sempre temeram mais Brizola do que Lula. O general-presidente, João Figueiredo (célebre por uma triste frase eqüina) permitiu seu retorno do exílio, mas aplicou-lhe um golpe mesquinho, surrupiando-lhe sua sigla partidária histórica, o PTB (manobra urdida pelo estrategista do regime, Golbery do Couto e Silva, com a cumplicidade de outra herdeira de Getúlio, Ivete Vargas).

E à época da primeira eleição presidencial no Brasil redemocratizado (1988), quando o gaúcho despontava na cabeça das pesquisas, seguido por Lula, o big boss do Império Globo, Roberto Marinho, que sempre estivera na trincheira oposta à do líder metalúrgico, não hesitou em escrever um longo editorial, intitulado "Companheiro Lula", sugerindo que, para evitar a eleição de Brizola, estaria até disposto a apoiar a candidatura do sindicalista. Isso foi antes que as elites se agarrassem a um oportunista alagoano, Fernando Collor de Melo, que passou como um meteoro (desastrado e desastroso) pelo cenário político nacional.


Coadjuvado pela genialidade do antropólogo Darcy Ribeiro (criador da Universidade de Brasília), Brizola realizou, no governo do Rio de Janeiro, um dos mais arrojado projetos educacionais deste país: os CIEPs. Mas se alguém, de passagem pelo Rio (como eu), naquele período, lesse o "O Globo", ficava com a impressão de que o estado não tinha um governador: o jornal simplesmente não noticiava nada, de bom ou de mal, relativo ao seu governo.

Nas eleições de 1988, vencida por Collor (que a grande mídia promovera como o "caçador de marajás"), Brizola estava no auge de sua liderança política. Demonstrou isso conseguindo transferir para Lula, no segundo turno, a quase totalidade dos votos que lhe foram conferidos na primeira fase das eleições. Na reunião do diretório nacional do partido que ele fundara (e presidiria até à morte), o PDT, anunciou sua decisão com um discurso inesquecível: "Dizem que política é a arte de engolir sapos. Pois então, vamos enfiar Lula, o sapo barbudo, na goela dessa burguesia".

Se conseguiu, em nível nacional, transferir seus votos para outrem, fracassou ao tentar fazer de Darcy seu sucessor, no governo do Rio. Intelectual brilhante, o antropólogo nunca teve "jeitão" de político; encantava uma platéia de doutores, mas não sabia empolgar multidões, em um palanque eleitoral. Brizola tentou de tudo para viabilizá-lo junto ao eleitor carioca e, perto da eleição, concebeu um artifício inusitado: mandou imprimir milhares de cartazes com sua foto e a frase "Meu nome é Darcy". Não funcionou, e o governo caiu nas mãos de Wellington Moreira Franco, político medíocre, cuja principal realização foi arruinar o projeto dos CIEPs.

O segundo governo fluminense de Brizola não foi nem a sombra do primeiro. Darcy estava muito doente (morreria, pouco tempo depois) e ele só tinha olhos para Brasília, relegando a um plano secundário os problemas do estado que o idolatrava, dentre eles o da violência, cada dia mais alarmante.

A partir de então, sua força política não parou de decrescer. No fim, não conseguiu sequer se eleger prefeito do Rio de Janeiro.

Embora fosse considerado uma "raposa política", Brizola alternava atuações de apurada sagacidade, com outras aparentemente estúpidas. Pertence ao segundo grupo sua conduta à época do impeachment de Collor. No momento em que o "esquema PC Farias" (denunciado pelo irmão do presidente) se tornava de conhecimento público, e os "caras-pintadas" saíam às ruas de todo o país, cobrando a cabeça presidencial, Brizola achou por bem aproximar-se daquele a quem sempre se referira como "filhote da ditadura". Ninguém entendeu, nem os que lhe eram mais próximos.

Aliás, estar próximo de Brizola nem sempre era uma posição confortável. Personalista e concentrador, ele não admitia que ninguém no PDT lhe fizesse sombra. Os que, tendo crescido sob suas asas, adquiriram certa projeção política, acabaram brigando com ele e deixando o partido. O último foi Anthony Garotinho.

Com Lula, sua relação sempre foi de tapas e beijos, mesmo quando se juntaram em uma única chapa, para tentar impedir a reeleição de Fernando Henrique Cardoso. Após a derrota acachapante, seus caminhos se distanciaram.

Quando Lula derrotou José Serra e, afinal, conquistou a presidência, Brizola, inicialmente, apoiou o governo do "sapo barbudo" (a essa altura mais semelhante a um "ursinho de pelúcia", como o disse Ciro Gomes, durante um debate), ainda que criticando suas "alianças espúrias". Mas não tardou a passar para a oposição, decepcionado (como tantos outros) com os rumos da administração petista.

Levando uma vida particular austera (tido como "pão duro", pelos amigos) e respeitado no continente europeu (tornara-se vice-presidente da Internacional Socialista), Brizola estava convencido de ser capaz de resolver (se lhe deixassem) os grandes problemas nacionais, especialmente os de natureza social. E embora os adversários o chamassem de "caudilho" e ao seu nacionalismo de "ultrapassado", não conseguiam negar seu sincero amor pelo país. Nos inúmeros discursos que pronunciou, a frase "povo brasileiro", invariavelmente presente, jamais soava como demagógica.

"Minha grande derrota foi não ter conseguido ser pai", confidenciou, certa vez, a um ex-deputado tucano, reconhecendo que sua integral dedicação à política não deixara espaço para o exercício da paternidade.

Na verdade, a grande derrota foi não ter conseguido materializar o maior sonho de sua vida: ser presidente do Brasil. Em duas ocasiões, a roda da fortuna o colocou perto de seu objetivo: nos idos de 1964 e nas eleições de 1988. Em ambas, seu projeto foi abortado.

O sonho de Leonel de Moura Brizola se enterrou, junto com seu corpo, numa segunda feira, 21 de junho de 2004, em um cemitério de São Borja, na fronteira gaúcha com a Argentina, onde estão sepultados João Goulart e o mentor político de ambos: Getúlio Vargas .
alvaro Rodrigues (2004)

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